sexta-feira, 25 de agosto de 2017

A vida fraterna – reciprocidade, reconciliação e unidade na caridade

“Irmãos, se alguém for surpreendido numa falta, vós, que sois animados pelo Espírito, admoestai-o em espírito de mansidão. E tem cuidado de ti mesmo, para que não caias também em tentação! Ajudai-vos uns aos outros a carregar os vossos fardos, e deste modo cumprireis a lei de Cristo. Quem pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo. Cada um examine o seu procedimento. Então poderá gloriar-se do que lhe pertence e não do que pertence a outro.” (Gl 6, 1-4)
            O último capítulo da carta aos Gálatas contém um precioso convite, que se estende as nossas comunidades ainda hoje. Segundo São Paulo devemos corrigir os que erram com mansidão, sem esquecer de ter diante dos olhos, a si mesmo e o barro que fomos feitos (cf. Salmo 102[103], 14). O apóstolo dos gentios convida cada um a cuidar atentamente de si, para que não caiam também aqueles que outrora corrigiam os que erraram. Tal conselho permanece atual para vida de nossas comunidades, a correção fraterna é certamente de suma importância. Porém o modo de fazê-la é a condição para que seu efeito seja de acordo com o esperado. A prática evangélica da correção fraterna sempre foi um eficaz remédio para a vida comunitária, afinal quando caímos nem sempre temos uma visão clara de que erramos.
            Diversas vezes nossas atitudes ferem nossos irmãos sem que percebamos. No entanto a ninguém foi dado, ao menos ordinariamente, o poder de sondar os corações. Por isso se faz necessária uma boa comunicação entre os irmãos. É preciso pontuar com humilde autoridade onde o irmão nos feriu, onde ele pode melhorar para que a comunidade seja sempre uma casa de irmãos. “Em outras palavras, a cooperação e a reciprocidade ou começam em casa ou não começarão nunca” (Ratio Institutionis, 76). A tal reciprocidade também nos adverte nossa Lei suplementar: “Na comunidade os membros se ajudem mutuamente, apreciem uns as qualidades dos outros, acolham-se reciprocamente e alegrem-se com o êxito dos co-irmãos” (LSAC, 257)
            O fato é que, caso não se estabeleça um diálogo sincero após os desagradáveis conflitos comunitários, tendemos a nos fechar. Criamos muros de silêncio e nos encastelamos em nossas razões. Porém esse castelo ilusório é na verdade comoo túmulo fétido e frio de Lázaro morto. No primeiro momento que se fizer necessário remover a pedra, teremos que lidar com estes problemas que estarão em um estado de decomposição ainda pior. Por isso nossa Lei nos convida ao dialogo franco e respeitoso, como meio para que sejam resolvidas eventuais dificuldades. (LSAC, 257).
            O documento A vida fraterna em comunidade no nº26 destaca que “as comunidades, na verdade, não podem evitar todos os conflitos” e que a situação de imperfeição das nossas comunidades não devem nos desencorajar. Visto que a “unidade que devem construir é uma unidade que se estabelece a preço de reconciliação”. Sem o perdão não há meios para que vida comunitária se realize de forma plena. As comunidades que não conseguem exercer a misericórdia, perdoando-se mutuamente, acabam não vivendo “com todo aquele fervor que seria conveniente, motivo pelo qual o rosto da Igreja brilha menos diante” da Igreja e do mundo. (Unitatis Redintegratio, 4)
            O desejo de que a nossa vida comunitária exale o bom odor de Cristo deve preencher nossas casas, e optando pelo testemunho de uma vida em comunidade sadia e fraterna, precisamos necessariamente carregar os fardos uns dos outros, como nos diz São Paulo na carta aos Gálatas. Carregar os fardos uns dos outros implica a reciprocidade no sacrifício pelo bem comum. “Quando alguém se perde pelos irmãos, encontra-se a si mesmo” (A vida fraterna em comunidade, 24). Por isso se faz necessário que cada um suporte com paciência os limites dos outros, pois pelo bem da comunidade outros suportam os nossos limites e misérias que muitas vezes não percebemos. Quantas vezes não somos nós mesmos um peso na vida comunitária, por isso examinemo-nos sempre contando com a graça de Deus. “Se é verdade que a comunhão não existe sem a oblatividade de cada um, é necessário que se afastem desde o início as ilusões de que tudo deve vir dos outros(A vida fraterna em comunidade, 24).
            Aqui se faz atualíssima a exortação de São Paulo aos Colossenses (3,12-13): “Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra outrem. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós”. A vida fraterna exige uma profunda reciprocidade, capacidade para o perdoar e uma consciência profunda dos próprios limites. Acima de tudo, a vida comunitária exige o reconhecimento de que o Amor e a Misericórdia de Deus nos alcançaram antes que pensássemos em responder ao seu chamado divino. Não devemos, portanto, nos espantar com as misérias alheias, pois muito mais o Senhor nos perdoa.
            Neste ponto vale perguntar-nos: será que ao verem nossa comunidade as pessoas poderiam dizer o mesmo que foi dito da comunidade Palotina assassinada na Igreja de São Patrício, em Buenos Aires: “juntos viveram, juntos morreram!”? (“Esta parroquia ha sido ungida por el testimonio de quienes vivieron ‘juntos y juntos murieron’” - Homilia do Card. Jorge Mario Bergoglio, sj na Missa pelos 25 anos do massacre. Buenos Aires, 4 de julho de 2001). De fato buscamos a fraterna unidade em nossas comunidades? Certo é que não há comunidade perfeita, a comunidade ideal ainda não existe neste mundo. Porém também é acertada a afirmação de que, a vida fraterna é um “termômetro” da vida espiritual de seus membros, ou seja, a vida comunitária reflete a vida espiritual dos indivíduos que a formam. Por isso precisamos ser construtores e não somente consumidores da comunidade, o ideal comunitário exige de nós a conversão de toda atitude que possa ser obstáculo a graça de Deus e a comunhão fraterna. (A vida fraterna em comunidade, 23-24).
             “A caridade de Cristo nos impele” (2 Cor 5,14) a irmos ao encontro dos irmãos deixando nossas pedras no chão, tomados pela consciência de nossos pecados, certos de que muito mais Deus tem feito por nós. Para que a nossa vida fraterna exale o bom odor de Cristo precisamos nos derramar como o bom perfume aos pés do Senhor, precisamos gastar nossos melhores esforços e nosso precioso tempo com nossos irmãos. Lembrando que ser celibatário implica um parcela de solidão, porém “Deus, nosso Criador, quis que precisássemos uns dos outros para que vivêssemos em unidade uns com os outros [...].Na realidade, se você vive sozinho, vai lavar os pés de quem? De quem vai cuidar? Como é que você vai fazer para se colocar no último lugar se mora sozinho? […] A vida comunitária é, portanto, um estádio no qual nos exercitamos como os atletas, um treinamento que nos faz progredir, um exercício contínuo de aperfeiçoamento nos mandamentos de Deus" (São Basílio Magno).

           




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