“Irmãos, se alguém for surpreendido numa falta, vós, que
sois animados pelo Espírito, admoestai-o em espírito de mansidão. E tem cuidado
de ti mesmo, para que não caias também em tentação! Ajudai-vos uns aos outros a
carregar os vossos fardos, e deste modo cumprireis a lei de Cristo. Quem pensa
ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo. Cada um examine o seu
procedimento. Então poderá gloriar-se do que lhe pertence e não do que pertence
a outro.” (Gl 6, 1-4)
O
último capítulo da carta aos Gálatas contém um precioso convite, que se estende
as nossas comunidades ainda hoje. Segundo São Paulo devemos corrigir os que
erram com mansidão, sem esquecer de ter diante dos olhos, a si mesmo e o barro
que fomos feitos (cf. Salmo 102[103], 14). O apóstolo dos gentios convida cada
um a cuidar atentamente de si, para que não caiam também aqueles que outrora
corrigiam os que erraram. Tal conselho permanece atual para vida de nossas
comunidades, a correção fraterna é certamente de suma importância. Porém o modo
de fazê-la é a condição para que seu efeito seja de acordo com o esperado. A
prática evangélica da correção fraterna sempre foi um eficaz remédio para a
vida comunitária, afinal quando caímos nem sempre temos uma visão clara de que
erramos.
Diversas
vezes nossas atitudes ferem nossos irmãos sem que percebamos. No entanto a
ninguém foi dado, ao menos ordinariamente, o poder de sondar os corações. Por
isso se faz necessária uma boa comunicação entre os irmãos. É preciso pontuar
com humilde autoridade onde o irmão nos feriu, onde ele pode melhorar para que
a comunidade seja sempre uma casa de irmãos. “Em outras palavras, a
cooperação e a reciprocidade ou começam em casa ou não começarão nunca” (Ratio
Institutionis, 76). A tal reciprocidade também nos adverte nossa Lei
suplementar: “Na comunidade os membros se ajudem mutuamente, apreciem uns as
qualidades dos outros, acolham-se reciprocamente e alegrem-se com o êxito dos
co-irmãos” (LSAC, 257)
O fato é
que, caso não se estabeleça um diálogo sincero após os desagradáveis
conflitos comunitários, tendemos a nos fechar. Criamos muros de silêncio e nos
encastelamos em nossas razões. Porém esse castelo ilusório é na verdade comoo túmulo fétido e frio de Lázaro morto. No primeiro momento que se fizer
necessário remover a pedra, teremos que lidar com estes problemas que estarão
em um estado de decomposição ainda pior. Por isso nossa Lei nos convida ao
dialogo franco e respeitoso, como meio para que sejam resolvidas eventuais
dificuldades. (LSAC, 257).
O
documento A vida fraterna em comunidade no nº26 destaca que “as
comunidades, na verdade, não podem evitar todos os conflitos” e que a
situação de imperfeição das nossas comunidades não devem nos desencorajar.
Visto que a “unidade que devem construir é uma unidade que se estabelece a
preço de reconciliação”. Sem o perdão não há meios para que vida
comunitária se realize de forma plena. As comunidades que não conseguem exercer
a misericórdia, perdoando-se mutuamente, acabam não vivendo “com todo aquele
fervor que seria conveniente, motivo pelo qual o rosto da Igreja brilha menos
diante” da Igreja e do mundo. (Unitatis Redintegratio, 4)
O desejo de que a nossa vida
comunitária exale o bom odor de Cristo deve preencher nossas casas, e optando
pelo testemunho de uma vida em comunidade sadia e fraterna, precisamos
necessariamente carregar os fardos uns dos outros, como nos diz São Paulo na
carta aos Gálatas. Carregar os fardos uns dos outros implica a reciprocidade no
sacrifício pelo bem comum. “Quando alguém se perde pelos irmãos, encontra-se
a si mesmo” (A vida fraterna em comunidade,
24). Por isso se faz necessário que cada um suporte com paciência os
limites dos outros, pois pelo bem da comunidade outros suportam os nossos
limites e misérias que muitas vezes não percebemos. Quantas vezes não somos nós
mesmos um peso na vida comunitária, por isso examinemo-nos sempre contando com
a graça de Deus. “Se é verdade que a comunhão não existe sem a oblatividade
de cada um, é necessário que se afastem desde o início as ilusões de que tudo
deve vir dos outros” (A vida fraterna
em comunidade, 24).
Aqui se faz atualíssima a exortação
de São Paulo aos Colossenses (3,12-13): “Portanto, como eleitos de Deus,
santos e queridos, revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade,
humildade, doçura, paciência. Suportai-vos
uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa
contra outrem. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós”. A vida
fraterna exige uma profunda reciprocidade, capacidade para o perdoar e uma
consciência profunda dos próprios limites. Acima de tudo, a vida comunitária
exige o reconhecimento de que o Amor e a Misericórdia de Deus nos alcançaram
antes que pensássemos em responder ao seu chamado divino. Não devemos,
portanto, nos espantar com as misérias alheias, pois muito mais o Senhor nos
perdoa.
Neste ponto vale perguntar-nos: será
que ao verem nossa comunidade as pessoas poderiam dizer o mesmo que foi dito da
comunidade Palotina assassinada na Igreja de São Patrício, em Buenos Aires: “juntos
viveram, juntos morreram!”? (“Esta
parroquia ha sido ungida por el testimonio de quienes vivieron ‘juntos y juntos
murieron’” - Homilia do Card. Jorge
Mario Bergoglio, sj na Missa pelos 25 anos do massacre. Buenos Aires, 4 de
julho de 2001). De fato buscamos a fraterna unidade em nossas
comunidades? Certo é que não há comunidade perfeita, a comunidade ideal ainda
não existe neste mundo. Porém também é acertada a afirmação de que, a vida
fraterna é um “termômetro” da vida espiritual de seus membros, ou seja, a vida
comunitária reflete a vida espiritual dos indivíduos que a formam. Por isso
precisamos ser construtores e não somente consumidores da comunidade, o ideal
comunitário exige de nós a conversão de toda atitude que possa ser obstáculo a
graça de Deus e a comunhão fraterna. (A
vida fraterna em comunidade, 23-24).
“A caridade de Cristo nos impele” (2 Cor
5,14) a irmos ao encontro dos irmãos deixando nossas pedras no chão, tomados
pela consciência de nossos pecados, certos de que muito mais Deus tem feito por
nós. Para que a nossa vida fraterna exale o bom odor de Cristo precisamos nos
derramar como o bom perfume aos pés do Senhor, precisamos gastar nossos
melhores esforços e nosso precioso tempo com nossos irmãos. Lembrando que ser
celibatário implica um parcela de solidão, porém “Deus, nosso Criador, quis
que precisássemos uns dos outros para que vivêssemos em unidade uns com os
outros [...].Na realidade, se você vive sozinho, vai lavar os pés de quem? De
quem vai cuidar? Como é que você vai fazer para se colocar no último lugar se
mora sozinho? […] A vida comunitária é, portanto, um estádio no qual nos
exercitamos como os atletas, um treinamento que nos faz progredir, um exercício
contínuo de aperfeiçoamento nos mandamentos de Deus" (São Basílio
Magno).
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